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sábado, 13 de junho de 2015

Memórias de um Prego

Nos confins do Universo, da estrela mais bela e luminosa, certo dia seu combustível (H) expirou e explodiu, jogando no espaço infinitas partículas de poeira cósmica. - Nessa viagem pelo Universo agreguei-me a outras partículas e, juntos, formamos um belíssimo planeta no qual chamam de Terra. Nas entranhas da terra ficou o Fe adormecido por centenas de anos. Numa manhã uma mão mecânica retirou-me da escuridão e do meu descanso, passeei por esteiras até à luz do dia, jogado num monte de ferro impuro. Quisera eu ter nascido em berço de ouro: estaria nos dedos de um casal apaixonado, ou nas orelhas de uma linda mulher... O vai e vem de caçambas levando o minério para sua última viagem, dali encaminhado para as fornalhas que dão vida e forma aos metais. Assim nasceu o nosso personagem, o Prego, no meio de tantos pregos de cabeça chata. Ele sobreviveu às intempéries do tempo para contar a sua história. O Prego trouxe na sua essência o espírito do sol, percebia os fatos como ninguém. Depois de tomar forma na metalúrgica, foi empacotado com outros pregos e levado para um armazém de construção. Não esperou muito tempo, logo foi comprado pelo carpinteiro “Pedinho”, assim era chamado pelos populares. Pedinho fora incumbido de cobrir uma casa do professor Hercílio, que aos trancos e barrancos construía sua moradia, cansado de pagar aluguel. Prego foi colocado dentro da caixa de ferramentas; ali fez amizade com outras ferramentas: o martelo, o serrote, parafusos, seus colegas metálicos, a fita métrica, formão, enxó, plaina, sargento, marreta, pua, limas, espátula, compasso, alicate; enfim, com toda a família da marcenaria. Todas as ferramentas trabalhavam diariamente, cumprindo seu papel nos quais foram vocacionados. Nesse espaço, o Prego ficava em silêncio; esperava seu momento de glória. Os anos foram se passando, amigos se foram, ferramentas envelheceram e quebraram na labuta dos anos. O Prego envelheceu, perdeu o brilho e a ferrugem consumia seu corpo e sua alma. O carpinteiro Pedinho aposentou-se pelo INSS: agora só fazia trabalhos caseiros e alguns bicos. A conversa na caixa se tornou memorável. O martelo se vangloriava de ter acertado tantas cabeças de pregos em ripas e caibros. Dizia: - Os pregos entram na madeira com gosto de gás. O serrote com seus dentes afiados na juventude devorava a madeira, fosse dura ou mole, não importava, serrava sem piedade, hoje desdentada e o que sobrou de dentes cegos e comidos por ferrugem. As buchas e os parafusos comungavam o mesmo cantinho, no jogo côncavo-convexo. A fita métrica se gabava pela precisão da medida, fruto da sua natureza matemática. E assim, sucessivamente, cada ferramenta do caixote contava a sua história. O prego apenas ouvia, pois seu momento não chegara... No entanto o Prego não perdia as esperanças, sabia que seu dia chegaria. Os anos foram se passando e nada de novidades para o Prego; continuava na caixa, silencioso e a ouvir as histórias enfadonhas das ferramentas. O velho carpinteiro Pedinho faleceu de velhice, ali ficou a caixa de ferramentas esquecida durante anos na estante empoeirada e esquecida. Certo dia, inesperadamente, apareceu na oficina o filho de Pedinho, o Pedro Neto, carpinteiro de mão cheia, que resolveu seguir a profissão do pai. Pedro Neto avistou a caixa de ferramenta, abriu e por momentos relembrou do pai. As lágrimas rolaram do seu rosto e sentia orgulho do pai, homem trabalhador e honesto. Devagar foi retirando as ferramentas: as mais antigas resolveu guardar como lembrança do pai, as quebradas separou para consertar. O velho Prego se juntou a outros metais enferrujados e sem valor da oficina, porém, teve o cuidado de mandar os metais para a reciclagem, para a alegria do Prego. Encaminhado para uma siderúrgica o Prego adquiriu vida nova e de novo corpo de prego. Sabia que tinha nascido prego e assim seria a sua vida até cumprir a sua missão, que até o momento não tinha dado as caras. Novamente empacotado com outros pregos é levado para uma casa de materiais de construção. O dono da loja, Raimundo dos Santos, comprou um relógio para pendurar na parede da loja. Pegou o Prego do saco, o martelo; escolheu um lugar bem visível. Cuidadosamente enfincou o Prego na parede, depois colocou o relógio. O Prego satisfeito, agora segurava o tempo. Os anos foram se passando e a pressa dos homens pelo tempo incomodava o Prego. Percebeu que os humanos eram escravos do trabalho e as horas guiavam os homens às senzalas. Aquilo entristecia o Prego. Não acreditava que a sua missão seria segurar o tempo dos homens. Aquilo precisava se acabar. Então resolveu se sacrificar, deixou o tempo corroer seu corpo. Quando chegou o momento certo deixou se quebrar e, com parte do seu corpo, o relógio despencou no chão se desfazendo em pedaços. A partir daquele momento os homens e mulheres se libertaram do tempo, deixaram de olhar aquela parede vazia. O Prego percebeu, enfim, a sua missão na terra: deixar os homens livres dos grilhões da pressa. O prego deixou de existir, mas feliz por ter cumprido a sua missão. Wellington Pinto
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